SOBRE O FILME

Definido pelo diretor Diegues na época como uma "fábula negra sobre a liberdade", Ganga Zumba é baseado no livro homônimo de João Felício dos Santos, romance histórico sobre o neto de Zumbi dos Palmares, um dos primeiros e principais líderes negros do período escravagista brasileiro. Primeiro longa de Cacá Diegues [que já havia participado com um curta em Cinco Vezes Favela], o filme é uma intensa reconstituição histórica do período no século XVII em que africanos chegavam ao Brasil em navios negreiros e eram obrigados a trabalhar no campo para senhores brancos. A história gira em torno da sangrenta fuga de Ganga Zumba desde o canavial onde trabalha até o Quilombo dos Palmares, onde pretende encontrar a liberdade e cumprir seu destino de rei banto. No caminho enfrenta a violência de capitães do mato e senhores de engenho, ao lado da mucama Dandara, sua futura rainha. Participam do longa o sambista Cartola e o ator Antônio Pitanga, que faz o papel principal, além do afoxé Filhos de Gandhy, que reproduz os rituais típicos africanos e afro-brasileiros do período colonial.

CRÉDITOS REDUZIDOS

Produção: Copacabana Filmes
Roteiro: Carlos Diegues
Direção: Carlos Diegues

Música: Moacir Santos
Som direto: L. C. Saldanha e A. Jabor
Sonoplastia: Geraldo José
Participação do grupo folclórico Filhos de Gandhy em rituais de Axexê e Candomblé
Canções de Moacir Santos na voz de Nara Leão


MÚSICAS IDENTIFICADAS NA TRILHA

"Coisa nº 5 / Nanã" - lançadas nos discos Coisas [1965] e The Maestro [1972], respectivamente

"Coisa nº 4" - lançada no disco Coisas [1965]

"Mãe Iracema" - lançada no disco The Maestro [1972]

"Coisa nº 9" - lançada no disco Coisas [1965]


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA TRILHA

"Acredito que a música de Ganga Zumba seja o melhor trabalho que até hoje realizei. Não só porque me encontrou numa fase de maturidade musical como também pela identificação que senti com o tema e o espírito do filme. Além disso, era um trabalho de fôlego, como eu queria, desde muito tempo, fazer." [Moacir Santos].

A trilha musical de Ganga Zumba pode ser considerada como um dos mais importantes trabalhos de Santos para cinema por diversos motivos. O principal deles é que a trilha serviu como uma espécie de "Laboratório pré-Coisas", onde o compositor pôde testar melodias e sonoridades que seriam concretizadas no seminal disco de 1965.

A macroestrutura da trilha é coesa e bem pensada.  Inúmeros temas recorrentes são usados para designar "ambientes", estruturas e/ou narrativas semelhantes. Usados como leitmotivs, esses temas demarcam por exemplo: a grande procissão até Palmares, a fuga dos senhores de engenho, a construção do personagem principal, o amor conturbado dos protagonistas, entre outros. Em geral os temas que se repetem são retrabalhados de acordo com a sequência, desde uma mudança na instrumentação até uma total transformação composicional, restando apenas algum material musical básico que identifique os trechos como relativos [motivo, perfil melódico, progressão harmônica, etc].

Além disso, também podem ser escutadas inserções musicais dentro das cenas, tocadas pelos personagens, sendo o grupo baiano Filhos de Gandhy responsável por boa parte dessas músicas. Os créditos iniciais informam "a participação do grupo folclórico Filhos de Gandhi [sic] em rituais de Axexê e Candomblé". A música diegética, é apresentada no filme basicamente de três maneiras: em rituais com diversos personagens, em cantos solo da personagem Cipriana e em batuques ouvidos ao longe como um sinal sonoro de guerra.

É muito clara a importância da sonoridade afro-brasileira para a obra de Moacir Santos, permeando todas as fases de sua carreira. O fato de ele ter trabalhado em Ganga Zumba pode ter impulsionado ainda mais esse uso recorrente, considerando que essa trilha faz parte ainda da primeira metade da carreira de Santos como compositor autoral. Para atingir essa sonoridade na trilha em questão, o compositor se utiliza de alguns processos composicionais característicos, por exemplo:

  • A escrita rítmica apresenta de maneira muito evidente diversos trechos com sobreposição de métricas em subdivisão binária e ternária. O resultado dessa sobreposição é muito importante para a caracterização tanto de acompanhamentos como de melodias com sotaque afro.
  • O uso frequente de ostinatos rítmicos, ou rítmico-melódicos, especialmente no acompanhamento.  A sonoridade resultante é essencialmente cíclica, muito usada em trechos modais e sem claro direcionamento dominante-tônica.
  • A maioria das inserções musicais da trilha foram compostas de maneira não tonal, utilizando procedimentos modais para estruturar as progressões harmônicas.
  • O trabalho de arranjo também é muito importante para demarcar a sonoridade afro-brasileira, e a valorização da percussão é o principal fator. Pois o uso de instrumentos étnicos, como atabaques e xequerês traz referências auditivas e culturais diretas.
  • É possível notar que grande parte dos padrões rítmicos compostos por Moacir derivam de concepções mais tradicionais, como os tocados pelo Filhos de Gandhy no filme, mas sempre com alto grau de inventividade. Apesar de serem reconhecíveis frases rítmicas de tradições culturais afro-brasileiras, como o Candomblé, novas claves foram criadas por Santos, em métricas inesperadas e/ou incomuns, de forma a demarcar sua própria concepção estética nas composições.

Visto tudo isso, fica claro o minucioso trabalho de Santos, com atenção aos pequenos detalhes, de modo que cada aspecto musical pudesse ser identificado como parte integrante e indissociável do projeto audiovisual.

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Ganga Zumba  PERÍODO BRASILEIRO
Lançado comercialmente no Brasil em março de 1964, dirigido por Carlos Diegues